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O mindset da economia circular: cultivar, colaborar, competir

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Aprofundar as relações com os clientes, promover a sustentabilidade e garantir uma vantagem competitiva

A economia circular, que visa reduzir o desperdício através da reciclagem e da reutilização de matérias-primas e recursos, valerá cerca de 3,7 biliões de euros até 2030. Os retalhistas mais inovadores têm já como preocupação a adaptação dos seus modelos de negócio, por forma a satisfazerem as exigências éticas e de sustentabilidade, assegurando simultaneamente uma vantagem competitiva. Esta vantagem surge já que a economia circular não se limita ao cumprimento de normas e legislação como também proporciona oportunidades para redesenhar a estratégia, potencia a adoção de novas tecnologias, fomenta a colaboração e conduz a cadeias de abastecimento mais eficientes. Em consequência, as relações com os clientes são aprofundadas, conduzindo à fidelização e à descoberta de novas áreas de negócio.

O contributo das organizações

Ao analisar as estatísticas da indústria, os números falam por si. De acordo com a Comissão Europeia, só na UE, são geradas anualmente 88 milhões de toneladas de desperdício alimentar, com custos associados de 143 mil milhões de euros. Todos os intervenientes na cadeia de abastecimento contribuem para este fenómeno. Desde produtores e transformadores, a grossistas e retalhistas, chegando até ao consumidor. De acordo com um estudo desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), “nos países industrializados o desperdício alimentar é tão elevado como nos países em desenvolvimento, mas nos países em desenvolvimento mais de 40% do desperdício ocorre entre a colheita e o processamento, ao passo que nos países industrializados, mais de 40% do desperdício alimentar verifica-se ao nível do retalho e consumidores. O desperdício alimentar ao nível do consumidor nos países industrializados (222 milhões de toneladas) é quase tão elevado como a produção alimentar líquida total na África subsariana (230 milhões de toneladas)”.

desperdício alimentar

As organizações têm a responsabilidade de melhorar os seus processos e cultura com o objetivo de colocar a sustentabilidade no cerne das suas operações. Neste sentido, alguns dos maiores supermercados do mundo estão a realizar campanhas de marketing de economia circular com o intuito de aumentar a sensibilização para a sustentabilidade e falar mais abertamente sobre os comportamentos a mudar pelos consumidores.

“Love your leftovers”

“Great taste less waste”

“Too good to waste”

Contudo, apesar do crescente número de campanhas de marketing e vendas em torno do tema da sustentabilidade, a mesma velocidade não se verifica na transformação da cadeia de abastecimento, da logística e das operações nas lojas e armazéns. A sustentabilidade é considerada uma das principais prioridades para 82% dos CEOs, mas a mudança continuará a ser lenta, a menos que as iniciativas sejam incorporadas a nível operacional, sendo a estratégia a linha de orientação.

Iniciativas circulares

Como refere Deborah Dull da Circular Supply Chain Network, “A economia circular baseia-se em três princípios: eliminar desperdícios, fazer circular materiais e recursos e regenerar os sistemas naturais. A premissa subjacente à economia circular é que as empresas que estão estrategicamente alicerçadas nestes três princípios serão rentáveis, cobrirão o seu risco sobre preço das matérias-primas e acrescentarão biliões à economia global até 2030, dissociando o crescimento financeiro dos recursos naturais limitados”.

Redesenhar a cadeia de abastecimento para eliminar desperdício

A eliminação de desperdício deve estar no topo das prioridades de produtores e retalhistas. Através da reengenharia do produto, da análise de cada componente e material utilizado, as organizações podem reinventar a sua oferta. O rastreio do impacto ambiental de cada componente pode ajudar na decisão de mudança de materiais, ou de reaproveitamento após a primeira utilização, eliminando tanto quanto possível os materiais de utilização única. 62% dos consumidores já afirmam que o impacto ambiental do desenvolvimento de produto pesa na sua decisão de compra.

O desperdício não está presente apenas nos produtos e nos seus componentes, mas também na forma como são armazenados, geridos e movimentados. O aprovisionamento ou a produção baseados unicamente em previsões não são capazes de se adaptar rapidamente à procura dinâmica dos clientes. Isto resulta em armazéns sobrecarregados com stocks e em níveis elevados de quebra. A utilização de um modelo de previsão da procura fiável, aliado à aproximação do stock ao consumidor, ajudou um retalhista europeu a reduzir os níveis de stock em 21%, aumentando simultaneamente as vendas em 20%.

economia circular

Recentemente num projeto de melhoria, um grande retalhista europeu conseguiu reduzir o desperdício na panificação em 4%, através da implementação de um modelo logístico completo. Esta transformação incluiu a redefinição dos níveis de stock e a implementação de um processo de reabastecimento baseado no consumo real, apoiado por uma rota normalizada para a manipulação de materiais com elevada rotação.

A eliminação de desperdício também é, em grande parte, da responsabilidade do consumidor. Instruir o consumidor sobre as datas de validade e o seu significado é uma prioridade central para a TooGoodToGo que trabalha lado-a-lado com retalhistas e produtores como o Carrefour, Auchan, Nestlé e Danone. A Sonae é outro bom exemplo, tendo criado um programa para que as bananas “soltas” não sejam deitadas fora, o que resultou numa redução de 20% no desperdício de produto, graças à simples sensibilização dos consumidores.

Circular materiais e recursos: recuperar e reciclar

Dar uma nova vida aos produtos e materiais no final da cadeia de abastecimento é o expoente máximo da economia circular. Face à natureza linear da produção alimentar, por cada dólar gasto em alimentos, a sociedade paga dois dólares em custos com a saúde, o ambiente e a economia. Apesar do atual modelo de produção alimentar ter sido crucial para apoiar o rápido crescimento populacional, este não contribui para um futuro sustentável.

Para reverter esta tendência, os subprodutos alimentares gerados no decurso do transformação podem ser reintroduzidos no ciclo sob a forma de fertilizantes orgânicos ou através da criação de novos produtos alimentares. Além disso, estes podem também ser utilizados noutras indústrias, como a da moda na produção de tecidos ou ainda como fontes de bioenergia. Para que tal seja possível, é crucial que os retalhistas e produtores unam esforços para conceber processos claros, produtivos e normalizados que permitam que os materiais circulem sem constrangimentos na cadeia de abastecimento.

Regenerar os sistemas naturais

Deixar o planeta melhor do que o encontrámos” constitui um ponto fulcral na estratégia empresarial dos retalhistas mais sustentáveis. Este processo implica decisões empresariais importantes, tais como a mudança para fontes de energia renováveis ou a utilização de biomateriais que ainda acrescentam valor durante a compostagem. O retalhista holandês Albert Heijn elevou esta questão a um novo nível quando construiu um supermercado apenas a partir de materiais reciclados e recicláveis. No Brasil, o grupo de cana-de-açúcar Balbo, adotou novos processos e maquinaria que permitem a prática de uma agricultura ecológica, que não só não danifica como também melhora a sua envolvente.

Contudo, para que este nível de mudança ocorra, não só a estratégia empresarial tem de ser alinhada como também a cultura da empresa deverá seguir o exemplo. A formação das equipas em comportamentos sustentáveis é crucial para que possam também contribuir com oportunidades de redução do desperdício nas suas atividades diárias. Esta é uma mudança de mentalidade que começa com as pessoas.

Obsessão pelos clientes

Os modelos de negócios da economia circular foram testados e comprovados em retalhistas por todo o mundo, sendo a oportunidade clara. A fidelização dos consumidores à marca é cada vez mais ténue, todavia, quando as empresas mostram as suas iniciativas, a afinidade do cliente moderno para com essa marca aumenta. A retenção de clientes no retalho revela-se frequentemente difícil, ocorrendo principalmente em função da localização e do preço. No entanto, a nova geração de clientes está agora disposta a viajar mais longe e a pagar mais pelo supermercado, loja, e produtos que elege, tendo em consideração os seus padrões éticos.

Uma compreensão mais profunda das necessidades próprio cliente torna-se assim da maior importância. Os retalhistas que aderirem a este movimento criarão oportunidades para compreender melhor os seus clientes atraindo-os para a sua estratégia de economia circular, tanto do ponto de vista do desenvolvimento de produtos como das vendas.

A Amazon e a Netflix compreendem melhor os seus consumidores e estão por isso mais aptas a recomendar produtos ou serviços personalizados, o que não difere muito do movimento retalhista. Ao procederem à mudança de relações transacionais para relações mais profundas, os retalhistas podem descobrir novas rotas para o mercado e personalizar as experiências de compra, tanto em loja como online. Adicionalmente, plataformas digitais como a Airbnb, Uber e Spotify, juntamente com aspetos como a urbanização (menor espaço de armazenamento), estão a alimentar a mudança de consumo no sentido da preferência ao acesso ao invés da propriedade. Em consequência, os retalhistas estão a desenvolver novos modelos de retalho baseados no leasing e na devolução de produtos.

Além do Retalho

As empresas não pertencentes aos retalhistas de supermercados também estão a contribuir mais para se tornarem parte do movimento.

  • A TooGoodToGo é o unicórnio que educa os seus parceiros sobre resíduos alimentares, melhorando as operações em lojas e trabalhando com agências governamentais.
  • A gigante Takeaway UberEATS comprometeu-se a aplicar uma política de zero emissões, que vai para além dos seus veículos e se estende aos seus parceiros de restauração e às famílias de consumidores.
  • A Coca-Cola entregou o seu programa “This Is Forward”, que reciclou mais de 30% dos plásticos, reabasteceu 160% da água em escassez e adquiriu 100% da energia a partir de fontes renováveis.
  • O governo britânico está a implementar objetivos de sustentabilidade interdepartamental, que incluem o combate à pobreza, a energia limpa, cidades sustentáveis e o consumo responsável.
  • Os pubs como o Greene King’s disponibilizam aos clientes a escolha do tamanho das suas refeições de modo a reduzir a quantidade de comida que sobra nos pratos.

Aderir à sustentabilidade

No que diz respeito às operações diárias, os retalhistas estão frequentemente concentrados no curto e médio prazo, mas a economia circular deve representar um objetivo a longo prazo. Este processo implica alinhar a economia circular com vendas, volumes, e margens para manter o interesse dos decisores chave.

Por onde devem começar os líderes?

  1. Defina a sua estratégia desde a direção até aos chefes de departamento, assegurando que estes estão envolvidos e prontos para a mudança. Concretize objetivos de curto a longo prazo que aliem os benefícios financeiros aos de consumo e éticos.
  2. Avance com os seus esforços em matéria de sustentabilidade, desde o sourcing ético à redução das emissões de CO2, passando pelas embalagens recicláveis e culminando na inovação de produtos.
  3. Comunique com os seus clientes a partir de anúncios publicitários ou através de práticas em loja que reflitam melhor os seus esforços de sustentabilidade ao mesmo tempo que instruem sobre comportamentos ecológicos.
  4. Meça o seu desempenho a nível operacional e alinhe as métricas com os resultados financeiros de modo a envolver os decisores.

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